A tradição voltou hoje a celebrar-se em Aboim da Nóbrega, com a recriação de uma tradicional Malhada do Centeio, que fez as delícias de emigrantes e turistas. O espírito de antigamente baixou sobre a Eira da Pena, no Lugar de Zebreiro, e até o calor abrasador ajudou à festa de quem sentiu a felicidade de pegar no malho e mostrar quão complexa, exigente e rara esta prática é .
José da Rocha, mais conhecido como 'Ze da Rita' foi um dos malhadores de serviço e diz que todos os anos participa nestas recriações para matar saudades. "Estou na Suiça há 29 anos e antes de emigrar, quando cá vivia, isto era a nossa vida", refere com a alfaia pronta a entrar em ação. "Malhávamos às vezes uma semana inteira. O meu avô era 'doente' por isto. Hoje é tão duro como antigamente, mas antes era quase obrigado a fazê-lo. Agora faço-o por gosto" refere com um sorriso rasgado no rosto, como se malhar fosse um ritual obrigatório para matar saudades de Aboim.
O mesmo sorriso de entusiasmo paira no rosto de Maria da Ponte, outra nativa emigrada há oito anos no Rio de Janeiro, mas que não perde uma prática agrícola, quando por esta altura regressa à terra. "Adoro malhadas, desfolhadas e vindimas! E por isso vou por cá ficar até à Festa das Colheitas. Este é o meu conceito de férias", avançou convicta, chapéu de palha na cabeça.
Apesar de emigrada, Maria da Ponte procura não "deixar a terra de velho" e este ano ainda semeou centeio no seu terreno, em Aboim, "apesar de residir em Vila Verde". "Dei a um vizinho que ainda malha e tem animais", refere acrescentando que "se tivesse gado mais fazia na terra" apesar da distância a que vive.
Entretanto, a Eira da Pena já se encheu das estocadas secas dos malhos sobre o centeio e com o silêncio das vozes de quem assite, mostrando respeito. "O malhador não gosta de ouvir barulho à sua volta" refere João Rodrigues, presidente da Junta de Freguesia de Aboim da Nóbrega, grande impulsionador da atividade.
O duelo entre as duas fileiras de homens agudiza-se. A cadência coordenada entre eles impressiona a quem assiste pela primeira vez ou de quem não está familiarizado com a prática.
É o caso de Acácio Sanches, um bracarense que soube da atividade numa pesquisa na internet e que achou fascinante presenciar uma recriação rara de uma malhada do centeio, num cenário autêntico: "Nem sabia que para aqui para cima ainda se semeava centeio, um cereal já tão raro", aponta surpreendido. "Acho que esta coordenação entre o Município de Vila Verde e a Junta de Freguesia foi fundamental para que a atividade tivesse esta visibilidade", acrescenta o empresário.
Completamente desenquadrada com o conceito, a cubana Juliett Montero mostrava-se deslumbrada com a genuinidade da recriação" É maravilhoso o cenário, o acolhimento e generosidade das pessoas", descreve a turista, "mas acima de tudo a técnica e a sincronização entre os malhadores. Isto é uma atividade muito exigente e estou verdadeiramente impressionada com a complexidade. Uma espécie de arte e desporto ao mesmo tempo", conclui a jovem, natural de Havana.
"Isto é o pulsar da nossa ruralidade", resume a vereadora da cultura e turismo do município de Vila Verde, que assistiu à prática. "Estamos num contexto real, um cenário raro como já não há muitos locais, e esta prática permite às pessoas recuarem no tempo, matarem saudades, permitirem às suas crianças este contacto com práticas antigas agrícolas e do quotidiano de outrora. Por outro lado, há pessoas que estiveram a assistir pela primeira vez e mostraram-se fascinadas com a dinâmica da malhada e a generosidade das gentes", concluiu a vereadora.
Léxico do malho

O malho é um instrumento de trabalho, mas também de vaidade. Os antigos e rurais que se dedicavam a malhar, construiam-nos com as suas próprias mãos ou mandavam fazer. Não se compravam em lojas. Descrevem-nos composto por quatro partes: a mangeira, que é o cabo, o pértigo, a parte que malha, e a ligação feita em couro, composta pelo carapulho, que se une à mangueira, e o içador, unido ao pértigo.
Muitas mangueiras surgem adornadas e personalizadas com o ano em que foram feitos e as iniciais do seu proprietário. "Ter uma mangueira rameada é um luxo" descreve um dos poucos artesãos que ainda se dedica a enfeitar mangueiras de malhos. "Esta semana fiz cinco rameadas e tenho outras seis à espera de enramear", gaba-se este emigrante, que se encontra fixado em Paris. Sobre esta arte pouco revela, a não ser que as formas que permitem fazer o 'bordado' são muito raras e dificieis de mandar fazer. "É por isso que as minhas são muito valiosas. Já mas quiseram comprar, mas não há dinheiro no mundo para elas", gaba-se o artista, a aguardar vez para entrar na eira e malhar também.
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